Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Morar no McDonald's, nem nos meus piores pesadelos

Caso das duas mulheres no "Méqui" do Leblon não faz o menor sentido e, por isso mesmo, faz tanto sucesso

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São Paulo

Quando criança, eu tinha uma fantasia estranha.

Sonhava ter em casa uma geladeira de sorvete, dessas de padaria, de picolé. Com reabastecimento infinito, é óbvio.

Crianças têm fantasias estranhas. Quando a gente cresce, passa a traçar objetivos sensatos para a vida –diz o colunista que outro dia quase comprou uma pequena máquina de assar frango, tipo televisão de cachorro.

Susane e Bruna Muratori, mãe e filha, passam os dias no McDonald's da avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon (zona sul do Rio)
Susane e Bruna Muratori, mãe e filha, passam os dias no McDonald's da avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon (zona sul do Rio) - Ana Cora Lima/Folha Press

Voltemos às fantasias infantis.

Os sonhos que as crianças sabem ser absurdos, mas ainda assim os sonham, envolvem montanha-russa no playground do prédio, teleférico para subir a ladeira no caminho da escola, acesso ilimitado a sorvete, pizza ou hambúrguer.

Lembrei da cornucópia de sorvete por causa da história das duas mulheres, mãe e filha, que decidiram morar no McDonald’s do Leblon.

O caso parece enredo de filme da Sessão da Tarde. A menina que sonhava morar numa lanchonete, a fim comer hambúrguer todo dia nas três refeições, subitamente tem o desejo atendido por uma fada.

E, claro, aprende às duras penas a importância de se alimentar de frutas, legumes e verduras.

Taí uma obsessão infantil que eu nunca tive, nem quando pirralho: McDonald’s. Sempre preferi qualquer outro rolê de rango.

Se evito comer no McDonald’s, morar lá superaria o horror dos meus piores pesadelos.

Para ser justo com o "Méqui", abro uma breve digressão. Não o considero pior do que Burger King, Taco Bell ou KFC. É apenas a marca mais famosa de todas as cadeias de fast food, a mais lembrada, a mais disseminada pelo mundo.

Minha birra com esse tipo de lanchonete vai além da qualidade da comida. É tudo, do ambiente à publicidade, impessoal, anódino, industrial. Não existe um rosto humano para identificar à marca.

Ronald McDonald é o cara? É ele ou o Papa-Búrguer quem responde pela ouvidoria do "Méqui"?

Por que as duas mulheres acharam uma boa ideia instalar-se de mala e cuia no McDonald’s da avenida Ataulfo de Paiva?

A história não faz o menor sentido, e as explicações dadas por Bruna Muratori, a filha, são mais abiloladas ainda. Por isso mesmo o caso rende tanta audiência.

Quando a hospedagem se tornou pública, uns 15 dias atrás, pensei que alguma alma caridosa iria abrigá-las. Não rolou. Parece que a ficha corrida da dupla repele qualquer iniciativa de hospitalidade.

Talvez elas estejam no McDonald’s até agora porque é o único lugar que ainda não as enxotou. Aliás, como a empresa pretende lidar com a situação? Vai reformar o almoxarifado e comprar um beliche?

Se eu estivesse sem grana e sem amigos no Rio eu iria tentar dormir, sei lá, no Galeão. Tem mais espaço, mais opções de banheiro, um oceano de chão duro para esticar uma toalha e tirar um ronco à noite.

Só que o aeroporto não é o Leblon. No Galeão não tem congestionamento de celebridades na calçada. No Galeão não dá para ver o Caetano Veloso estacionar o carro.

Talvez as duas mulheres estejam no McDonald’s do Leblon para se agarrar a uma fantasia infantil muito estranha, de luxo e poder que só existem na cabeça delas.

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